Devo pôr termo às provas do meu próximo?

Nas últimas duas semanas pessoas do mundo inteiro reuniram-se em oração pelos meninos presos na gruta na Tailândia. Com profunda agonia, mas ainda mais esperança, cada um se dirigiu ao Criador, segundo as suas convicções, credos e fé. O ser humano transpôs as barreiras que o isolam e deu-se. Cada um deu que possuía de melhor. E funcionou! Em Julho de 2018 a humanidade testemunhou que é possível ao homem viver em paz. Trabalhar em equipa. Respeitar e ser respeitado. Considerar muito, e ser muito considerado! Ser amado e amar. Cruzar as aflições com coragem, serenidade, dignidade.

Muitas lições nos foram oferecidas generosamente neste episódio. Em sincera reflexão, como enquadrar na nossa abordagem diária aos problemas quotidianos - o sorriso, a paz e o equilíbrio que manifestaram aquelas crianças e o seu líder, quando foram encontrados no escuro, sem comer há já 10 dias!?

Neste ponto onde estamos, a humanidade continua a atravessar dramas e pedidos de socorro diários, que parece que nada têm que ver connosco. Alguns questionam-se sobre se será licito "interferir nos planos de Deus". Se ao evitarmos ou diminuirmos as provas do nosso irmão, nao estaremos a privá-lo da sua lição. Este é um campo que merece todo o esforço de entendimento do homem.

Saber dar é uma arte. Saber reter também é uma arte. Como discernir ambos?

Sobre esta questão também nos esclarece Allan Kardec, no O Evangelho Segundo o Espiritismo:

CAPÍTULO V – BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

27. Deve alguém pôr termo às provas do seu próximo quando o possa, ou deve, para respeitar os desígnios de Deus, deixar que sigam seu curso?

Já vos temos dito e repetido muitíssimas vezes que estais nessa Terra de expiação para concluírdes as vossas provas e que tudo que vos sucede é conseqüência das vossas existências anteriores, são os juros da dívida que tendes de pagar. Esse pensamento, porém, provoca em certas pessoas reflexões que devem ser combatidas, devido aos funestos efeitos que poderiam determinar. Pensam alguns que, estando-se na Terra para expiar, cumpre que as provas sigam seu curso. Outros há, mesmo, que vão até ao ponto de julgar que, não só nada devem fazer para as atenuar, mas que, ao contrário, devem contribuir para que elas sejam mais proveitosas, tornando-as mais vivas.

Grande erro! É certo que as vossas provas têm de seguir o curso que lhes traçou Deus; dar-se-á, porém, conheçais esse curso? Sabeis até onde têm elas de ir e se o vosso Pai misericordioso não terá dito ao sofrimento de tal ou tal dos vossos irmãos: “Não irás mais longe?” Sabeis se a Providência não vos escolheu, não como instrumento de suplício para agravar os sofrimentos do culpado, mas como o bálsamo da consolação para fazer cicatrizar as chagas que a sua justiça abrira?

Não digais, pois, quando virdes atingido um dos vossos irmãos: “É a justiça de Deus, importa que siga o seu curso.” Dizei antes:

“Vejamos que meios o Pai misericordioso me pôs ao alcance para suavizar o sofrimento do meu irmão. Vejamos se as minhas consolações morais, o meu amparo material ou meus conselhos poderão ajudá-lo a vencer essa prova com mais energia, paciência e resignação. Vejamos mesmo se Deus não me pôs nas mãos os meios de fazer que cesse esse sofrimento; se não me deu a mim, também como prova, como expiação talvez, deter o mal e substituí-lo pela paz.”

Ajudai-vos, pois, sempre, mutuamente, nas vossas respectivas provações e nunca vos considereis instrumentos de tortura. Contra essa ideia deve revoltar-se todo homem de coração, principalmente todo espírita, porquanto este, melhor do que qualquer outro, deve compreender a extensão infinita da bondade de Deus. Deve o espírita estar compenetrado de que a sua vida toda tem de ser um ato de amor e de devotamento; que, faça ele o que fizer para se opor às decisões do Senhor, estas se cumprirão. Pode, portanto, sem receio, empregar todos os esforços por atenuar o amargor da expiação, certo, porém, de que só a Deus cabe detê-la ou prolongá-la, conforme julgar conveniente.

Não haveria imenso orgulho, da parte do homem, em se considerar no direito de, por assim dizer, revirar a arma dentro da ferida? De aumentar a dose do veneno nas vísceras daquele que está sofrendo, sob o pretexto de que tal é a sua expiação? Oh! considerai-vos sempre como instrumento para fazê-la cessar. Resumindo: todos estais na Terra para expiar; mas, todos, sem exceção, deveis esforçar-vos por abrandar a expiação dos vossos semelhantes, de acordo com a lei de amor e caridade."

Bernardino, Espírito protetor. (Bordéus, 1863.)

 

Assim, não nos restam dúvidas que cada criança que precisa de ajuda, numa gruta ou em alto mar, um idoso num lar ou um companheiro de luta diária - a todos devemos dar o que temos de melhor. Todos juntos, em equipa.  É possível. Assim nos incentivou Jesus.

Somos capazes de proezas maravilhosas. Física, espiritual, mental e moralmente. Somos filhos de Deus! Não poderia ser de outra forma. E lentamente iremos descobrir este caminho de Luz interno que brilhando, nos levará de regresso ao Pai.

 

 

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